Cidades sustentáveis: das 10 com piores índices, nove estão na Amazônia
Índice de Desenvolvimento Sustentável das Cidades escancara desigualdade: dos 10 municípios no topo do ranking, nove são paulistas
fonte: Projeto Colabora
O Brasil passou a ser o primeiro país do mundo a acompanhar os desafios e avanços de todas as suas 5.570 cidades na Agenda 2030 – estabelecida em 2015 pela ONU – ao lançar, nesta sexta-feira, 8, o Índice de Desenvolvimento Sustentável das Cidades – Brasil (IDSC-BR). Composto por 100 indicadores referentes às várias áreas de atuação da administração pública, o índice oferece uma visão geral dos municípios brasileiros em cada um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis (ODS), da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU).
Das 10 cidades com maior pontuação, nove estão no estado de São Paulo- o mais rico do Brasil. Das 20 cidades melhores situadas, 18 estão em São Paulo e duas em Minas Gerais. São Caetano do Sul, na Grande São Paulo, lidera o ranking, com a nota 65,6 (o teto é 100). Nenhuma cidade brasileira, portanto, atingiu notas acima de 70. Das 10 cidades com piores notas, nove estão na Região Amazônica. O último município entre os 5.570 é Santana do Araguaia, no sul do Pará; o penúltimo do índice é Lábrea, no oeste do Amazonas. As capitais com melhores pontuações são São Paulo, Florianópolis, Curitiba, Belo Horizonte e Goiânia
A iniciativa de criar o índice partiu do Instituto Cidades Sustentáveis (ICS), em parceria com o Sustainable Development Solutions Network (SDSN), comandado pelo economista Jeffrey Sachs; Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento); CITInova (Planejamento Integrado, Tecnologias para Cidades Sustentáveis), projeto ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, além do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF, na sigla em Inglês).
O índice foi anunciado durante seminário “Evolução e Desafios das Cidades nos 17 ODS da Agenda 2030”, no Pavilhão do Parque do Ibirapuera, em São Paulo, onde ocorre o I Forum de Desenvolvimento Sustentável das Cidades, que reúne gestores públicos, acadêmicos e organizações da sociedade civil e do mundo corporativo, dentro da programação da Virada ODS, organizado pela prefeitura de São Paulo, .
“Criamos um ranking e conseguimos ver as cidades em cinco diferentes níveis, desde desenvolvimento sustentável muito baixo até muito alto”, ressaltou Jorge Abrahão, diretor do ICS, que apresentou o projeto e mostrou em um telão o ranking das cidades brasileiras e um mapa interativo, uma espécie de radiografia dos 17 ODS. “Ao olhar o mapa conseguimos ver onde estão os maiores problemas das cidades, quais são os principais temas que devem ser enfrentados”, explicou.
Há um sistema de classificação por cores (verde, amarelo, laranja e vermelho) no mapa, que indica em que medida um município está longe de atingir o objetivo. Quanto mais próximo do vermelho, mais distante de alcançar o ODS. “Quando a gente olha o Brasil como um todo, as cidades com o nível muito baixo de desenvolvimento sustentável estão nas regiões Norte e Nordeste. São os espaços onde temos os menores índices de desenvolvimento sustentáveis das cidades. Nas regiões Sudeste e Sul, estão as cidades com o melhor desenvolvimento sustentável”, disse Abrahão.
“Trata-se de uma ferramenta fantástica para que os municípios brasileiros possam mapear a sua evolução. O mapa apresentado é como um farol. Essa é a visão que a Marinha do Brasil tem em relação à Ciência brasileira: um farol”, disse Marcelo Moraes, secretário de Pesquisa e Formação Científica do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. Ele lembrou que o projeto CITInova tem o objetivo de reduzir 3,8 bilhões de toneladas de emissões de CO2.
Emma Torres, vice-presidente para as Américas da SDSN, lembrou que 80% da população da América Latina vive nas cidades “O relatório é extraordinário, um trabalho fantástico. A agenda global 2030 também se transforma em uma agenda local. O Brasil é um país continental, uma superpotência da biodiversidade, e por isso precisa ter uma ideia da realidade local e da vulnerabilidade dos biomas”, afirmou.
Desenvolvido durante dois anos, o índice utiliza os dados mais atualizados disponíveis em fontes públicas e oficiais do Brasil. A partir de agora será divulgado anualmente, sempre no mês de junho, para ser em seguida levado ao fórum da ONU que avalia os avanços dos países nos ODS da Agenda 2030, realizado em julho de cada ano.
“Como sociedade, de uma maneira geral, não estamos conseguindo resolver algumas armadilhas dos modelos de desenvolvimento que assumimos há muito tempo e que criaram enormes impactos do ponto de vista social e ambiental. Daí surge a necessidade de apresentar propostas de caminhos pra que a gente possa se conscientizar de que não podemos seguir dessa maneira”, afirmou o diretor do Instituto Cidades Sustentáveis.
Jorge Abrahão contou que a ideia nasceu justamente da percepção de que essa agenda deveria chegar ao âmbito local. “Quando os países assumem os compromissos, a agenda tem que ser internamente desdobrada e chegar nas cidades. Se os países podem fazer por que as cidades não podem?”, questionou.
O avanço de toda essa agenda social e ambiental nas cidades brasileiras significarão o avanço do Brasil, assegurou ele, lembrando que o país tem 85% de sua população vivendo em cidades. “O Brasil é um dos países mais urbanizados do mundo. No fundo, o que a melhoria nesse índice significa é vida digna para as pessoas, o enfrentamento da questão climática. O desenvolvimento sustentável é a integração dos temas. O tema da desigualdade é fundamental. O Brasil é uma das 10 maiores economias do mundo, mas é também um dos 10 países mais desiguais do mundo”, lembrou.
Abrahão fez questão de ressaltar que o objetivo do índice não é fazer qualquer tipo de crítica às atuais administrações municipais: “ Os resultados das cidades são efeitos de décadas de gestões. Não se trata, portanto, de crítica a prefeitos atuais. Se eles enxergarem dessa maneira, não vamos ter sucesso. Nossa ideia ao criar este índice é estimular os avanços nas políticas públicas”. Ele deu um exemplo concreto: o mapa da desigualdade em São Paulo gerou uma política pública na cidade. A prefeitura paulistana reservou um quarto do investimento para aplicar nos distritos mais vulneráveis.
O índice também tem um recorte por cidades de acordo com os biomas. Os municípios do Pantanal, por exemplo, situaram-se melhor, seguido das cidades nos Pampas, Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga e Amazônia. “Esse recorte nas cidades localizados nesses biomas ajuda a entender mais a preservação desses espaços. Nossa esperança é que consigamos com isso melhorar a vida das pessoas nas cidades e no Brasil”, completou Abrahão.
A metodologia do IDSC-BR foi elaborada pela rede SDSN, uma iniciativa que nasceu dentro da própria ONU para mobilizar conhecimentos técnicos e científicos da academia, da sociedade civil e do setor privado no apoio de soluções em escalas locais, nacionais e globais. Lançada em 2012, a SDSN já desenvolveu índices para diversos países e cidades do mundo. A agenda 2030 e os 17 ODS surgiram em 2015 como um grande pacto supranacional para o enfrentamento dos principais desafios globais e foi assinada por autoridades dos 193 Estados-membros da ONU, incluindo o Brasil.
Denise Verdade, gestora de Projetos no Setor de Cooperação União Europeia-Brasil, ressaltou que “os governos locais e a sociedade civil tem um papel transformador e um potencial único para implementar essa agenda e torná-la uma realidade para todos”. Sobre as ODS ela destacou que é necessário fortalecer a participação das pessoas, valorizando parcerias entre sociedade civil, setor privado e governos locais.
Marcos Libório, secretário de Meio Ambiente de Santos, cidade em 16ª posição no ranking, afirmou que os gestores municipais precisam de instrumentos de controle e mensuração. “São métricas fundamentais. O ranking é para a administração publica uma espécie de painel de controle de uma cabine de pilotagem. Precisamos das métricas de altitude, temperatura, velocidade porque não é possível melhorar aquilo que não se mede. Temos que saber se estamos no voo e direção certos e para isso necessitamos parâmetros. Quando o Brasil inteiro se integrar nessa cabine de pilotagem estaremos virando a chave, estaremos mudando a mentalidade da administração publica”, concluiu.